Igor Chiminacio
26 Apr
26Apr

Dr. Igor Chiminacio

Ginecologista especializado em endoscopia ginecológica e videocirurgia (RQE 199), Cirurgião de endometriose da Rede D'or Star no Brasil, preceptor da residência médica de videocirurgia do Hospital São Lucas de Pato Branco, membro da AAGL e da World Endometriosis Society (WES). Fellow da International School of Surgical Anatomy, em Verona, Itália, e Diretor da SOGIPA.

Qual a definição mais atual de endometriose?

E qual o melhor conceito para compreendê-la?

Hoje, o conceito que melhor define a endometriose é o genético-embriológico. Ao contrário da hipótese clássica proposta pelo médico legista John Sampson em 1927 — que atribuía a doença à menstruação retrógrada —, sabemos atualmente que essa teoria não foi capaz de explicar satisfatoriamente a origem da doença, muito menos oferecer tratamentos eficazes. Pior: ela conduziu a práticas terapêuticas equivocadas e, muitas vezes, prejudiciais.Todo ginecologista deveria conhecer o conceito embrionário, fundamentado pelos médicos americanos Dr. David Redwine e Dr. Ronald Batt, que, desde os anos 1980 e 90, defendem que a endometriose não é causada pela menstruação retrógrada e que o tratamento não deve ser cauterizar, mas remover a doença de forma completa¹².Com o avanço das técnicas de imagem, especialmente a ressonância magnética, ficou claro que a endometriose é uma infiltração profunda na pelve, presente desde o nascimento. Inicialmente microscópica, essa infiltração evolui ao longo dos anos com micro-hematomas espontâneos que acompanham o ciclo menstrual, a partir da menarca.A endometriose deve ser entendida como uma verdadeira "mancha de nascença" que sangra repetidamente a cada menstruação. Esse processo ocorre principalmente em duas camadas específicas de tecido conjuntivo da pelve: a fáscia hipogástrica e a fáscia pré-sacral, localizada sobre os nervos somáticos responsáveis pela sensibilidade genital e dos membros inferiores.Esses sangramentos espontâneos provocam:

  • Inflamação aguda a cada ciclo, gerando cólicas menstruais intensas.
  • Tempestade inflamatória sistêmica, com impacto direto sobre a fertilidade.
  • Fibrose e retração das fáscias, levando a um fenômeno chamado entrampamento nervoso⁴⁵.

A inflamação crônica é uma das principais responsáveis pela infertilidade em até 40% dos casos⁶, por meio da chamada interferência imunológica cruzada entre o endométrio ectópico e o endométrio uterino⁷.

Existe um padrão de acometimento da endometriose no corpo?

Sim. Estudos de embriologia demonstram que a endometriose é, na verdade, uma consequência de um defeito de formação dos ductos de Müller — estrutura embrionária que origina o útero, trompas, ureteres e parte da vagina²⁹. Essa "mülleriose" pode deixar resíduos de tecido endometrial ectópico ao longo do trajeto dos ductos. Como essa formação acontece junto ao desenvolvimento do intestino grosso, a endometriose tende a se manifestar com maior frequência:

  • À esquerda, no paramétrio esquerdo;
  • À direita, na região do apêndice e do diafragma.

Estudos em autópsias e fetos do sexo feminino já detectaram endometriose ainda na vida intrauterina¹⁰, reforçando essa origem embriológica.Por isso, o termo "focos de endometriose" não reflete a realidade da doença: a endometriose é uma infiltração profunda e progressiva, não apenas um conjunto de pequenos focos.

Como esse novo entendimento impacta o tratamento?

Ele muda tudo.Sabemos agora que o tratamento clínico não remove a doença: ele apenas diminui a inflamação e estabiliza as lesões, reduzindo sintomas sem erradicar a causa. Já o tratamento cirúrgico por excisão completa é capaz de remover efetivamente o tecido anormal e alterar a história natural da doença.Além disso:

  • Quanto mais precoce a cirurgia, maior o benefício⁴.
  • A cirurgia deve ser feita por especialistas experientes, com profundo conhecimento da anatomia pélvica e retroperitoneal, utilizando técnicas minimamente invasivas como a laparoscopia ou a robótica¹¹.

O objetivo é ser o mais preciso possível: remover a doença com o mínimo de riscos e evitar múltiplas cirurgias desnecessárias.

Qual o papel do diagnóstico clínico?

Fundamental.A endometriose pode (e deve) ser diagnosticada com base:

  • Nos sintomas, desde as cólicas menstruais intensas até alterações intestinais durante o ciclo.
  • No exame físico, procurando sinais como desvio do colo uterino para a esquerda e endurecimento dos paramétrios.

Esses achados têm alto valor preditivo e permitem ao ginecologista fazer o diagnóstico mesmo sem exames de imagem. A paciente deve ser referenciada ao especialista para confirmação e tratamento¹².Os exames de imagem, como o ultrassom com preparo intestinal e a ressonância magnética, não substituem a avaliação clínica. Eles são ferramentas para o estadiamento e planejamento cirúrgico, e não devem ser usados isoladamente para triagem¹³.

Tratamento clínico: para quem é indicado?

O tratamento medicamentoso é indicado para controle de sintomas em pacientes que não desejam gestar. Ele não melhora as taxas de fertilidade.As opções incluem:

  • Anticoncepcionais combinados (melhor estabilização do endométrio).
  • Progestagênios (como o dienogeste, mas não exclusivamente).
  • Dispositivo intrauterino de levonorgestrel (SIU-LNG), útil no controle pós-cirúrgico, mas não indicado para pacientes com endometriomas⁴¹.

Endometriose: uma nova subespecialidade

Diante da complexidade da doença, a endometriose caminha para ser reconhecida como uma subespecialidade da ginecologia.A formação de especialistas deve envolver:

  • Técnicas de cirurgia minimamente invasiva.
  • Estudo profundo da neuropelveologia — ciência que estuda a dor e a neuropatia dos nervos pélvicos, tão frequentemente acometidos na endometriose.

Pioneiros como o Dr. Marc Possover mostram que muitos dos sintomas da endometriose estão ligados à lesão de nervos pélvicos como o nervo hipogástrico, antes erroneamente chamado de “ligamento úterossacro”¹⁵.

Minha missão

Para todo ginecologista que, assim como eu, não se conforma com a infertilidade ou dor pélvica sem causa aparente, saibam: se há dor, há um nervo doente.Vale cada segundo de estudo, dedicação e aprimoramento. Nossas pacientes merecem.



Referências:

  1. Redwine Was Sampson wrong? Fertil Steril. 2002 Oct;78(4):686-93.
  2. Batt RE, Smith RA, Buck Louis GM, Martin DC, Chapron C, Koninckx PR, Yeh J. Müllerianosis. Histol Histopathol. 2007 Oct;22(10):1161-6.
  3. Redwine Endometriosis and autoantibodies. Fertil Steril. 1989 Jun;51(6):1068-9.
  4. Chiminacio I, Obrzut How to Remove Endometriosis? Removing All Peritoneum from the Pelvic Compartment: En Bloc Peritonectomy, a Demonstration of the Technique. Journal of Minimally Invasive Gynecology. Volume 29, Issue 11, Supplement, 2022, Page S57.
  5. Redwine DB. ‘Invisible’ microscopic endometriosis: a review. Gynecol Obstet Invest. 2003;55(2):63-7.
  6. Salmeri N, Gennarelli G, Vanni VS, Ferrari S, Ruffa A, Rovere-Querini P, Pagliardini L, Candiani M, Papaleo Concomitant Autoimmunity in Endometriosis Impairs Endometrium-Embryo Crosstalk at the Implantation Site: A Multicenter Case-Control Study. J Clin Med. 2023 May 19;12(10):3557.
  7. Casals G, Carrera M, Domínguez JA, Abrão MS, Carmona F. Impact of Surgery for Deep Infiltrative Endometriosis before In Vitro Fertilization: A Systematic Review and Meta-analysis. J Minim Invasive Gynecol. 2021 Jul;28(7):1303-1312.e5.
  8. Marquardt RM, Kim TH, Shin JH, Jeong JW. Progesterone and Estrogen Signaling in the Endometrium: What Goes Wrong in Endometriosis? Int J Mol Sci. 2019 Aug 5;20(15):3822.
  9. Batt RE, Yeh Müllerianosis: four developmental (embryonic) mullerian diseases. Reprod Sci. 2013 Sep;20(9):1030-7.
  10. Signorile PG, Baldi F, Bussani R, Viceconte R, Bulzomi P, D’Armiento M, D’Avino A, Baldi A. Embryologic origin of endometriosis: analysis of 101 human female fetuses. J Cell Physiol. 2012 Apr;227(4):1653-6.
  11. Chiminacio I, Obrzut C, H Sabadin Posterior Compartment Peritonectomy: Technique Demonstration Journal of Minimally Invasive Gynecology. Volume 29, Issue 11, Supplement, 2022, Page S59.
  12. Agarwal SK, Chapron C, Giudice LC, Laufer MR, Leyland N, Missmer SA, Singh SS, Taylor Clinical diagnosis of endometriosis: a call to action. Am J Obstet Gynecol. 2019 Apr;220(4):354.e1- 354.e12.
  13. Lorusso F, Scioscia M, Rubini D, Stabile Ianora AA, Scardigno D, Leuci C, De Ceglie M, Sardaro A, Lucarelli N, Scardapane A. Magnetic resonance imaging for deep infiltrating endometriosis: current concepts, imaging technique and key findings. Insights Imaging. 2021 Jul 22;12(1):105.
  14. Horne AW, Missmer Pathophysiology, diagnosis, and management of endometriosis. BMJ. 2022 Nov 14;379:e070750.
  15. Possover M, Andersson KE, Forman A. Neuropelveology: An Emerging Discipline for the Management of Chronic Pelvic Pain. Int Neurourol J. 2017 Dec;21(4):243-246.



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