Ginecologista especializado em endoscopia ginecológica e videocirurgia (RQE 199), Cirurgião de endometriose da Rede D'or Star no Brasil, preceptor da residência médica de videocirurgia do Hospital São Lucas de Pato Branco, membro da AAGL e da World Endometriosis Society (WES). Fellow da International School of Surgical Anatomy, em Verona, Itália, e Diretor da SOGIPA.
Hoje, o conceito que melhor define a endometriose é o genético-embriológico. Ao contrário da hipótese clássica proposta pelo médico legista John Sampson em 1927 — que atribuía a doença à menstruação retrógrada —, sabemos atualmente que essa teoria não foi capaz de explicar satisfatoriamente a origem da doença, muito menos oferecer tratamentos eficazes. Pior: ela conduziu a práticas terapêuticas equivocadas e, muitas vezes, prejudiciais.Todo ginecologista deveria conhecer o conceito embrionário, fundamentado pelos médicos americanos Dr. David Redwine e Dr. Ronald Batt, que, desde os anos 1980 e 90, defendem que a endometriose não é causada pela menstruação retrógrada e que o tratamento não deve ser cauterizar, mas remover a doença de forma completa¹².Com o avanço das técnicas de imagem, especialmente a ressonância magnética, ficou claro que a endometriose é uma infiltração profunda na pelve, presente desde o nascimento. Inicialmente microscópica, essa infiltração evolui ao longo dos anos com micro-hematomas espontâneos que acompanham o ciclo menstrual, a partir da menarca.A endometriose deve ser entendida como uma verdadeira "mancha de nascença" que sangra repetidamente a cada menstruação. Esse processo ocorre principalmente em duas camadas específicas de tecido conjuntivo da pelve: a fáscia hipogástrica e a fáscia pré-sacral, localizada sobre os nervos somáticos responsáveis pela sensibilidade genital e dos membros inferiores.Esses sangramentos espontâneos provocam:
A inflamação crônica é uma das principais responsáveis pela infertilidade em até 40% dos casos⁶, por meio da chamada interferência imunológica cruzada entre o endométrio ectópico e o endométrio uterino⁷.
Sim. Estudos de embriologia demonstram que a endometriose é, na verdade, uma consequência de um defeito de formação dos ductos de Müller — estrutura embrionária que origina o útero, trompas, ureteres e parte da vagina²⁹. Essa "mülleriose" pode deixar resíduos de tecido endometrial ectópico ao longo do trajeto dos ductos. Como essa formação acontece junto ao desenvolvimento do intestino grosso, a endometriose tende a se manifestar com maior frequência:
Estudos em autópsias e fetos do sexo feminino já detectaram endometriose ainda na vida intrauterina¹⁰, reforçando essa origem embriológica.Por isso, o termo "focos de endometriose" não reflete a realidade da doença: a endometriose é uma infiltração profunda e progressiva, não apenas um conjunto de pequenos focos.
Ele muda tudo.Sabemos agora que o tratamento clínico não remove a doença: ele apenas diminui a inflamação e estabiliza as lesões, reduzindo sintomas sem erradicar a causa. Já o tratamento cirúrgico por excisão completa é capaz de remover efetivamente o tecido anormal e alterar a história natural da doença.Além disso:
O objetivo é ser o mais preciso possível: remover a doença com o mínimo de riscos e evitar múltiplas cirurgias desnecessárias.
Fundamental.A endometriose pode (e deve) ser diagnosticada com base:
Esses achados têm alto valor preditivo e permitem ao ginecologista fazer o diagnóstico mesmo sem exames de imagem. A paciente deve ser referenciada ao especialista para confirmação e tratamento¹².Os exames de imagem, como o ultrassom com preparo intestinal e a ressonância magnética, não substituem a avaliação clínica. Eles são ferramentas para o estadiamento e planejamento cirúrgico, e não devem ser usados isoladamente para triagem¹³.
O tratamento medicamentoso é indicado para controle de sintomas em pacientes que não desejam gestar. Ele não melhora as taxas de fertilidade.As opções incluem:
Diante da complexidade da doença, a endometriose caminha para ser reconhecida como uma subespecialidade da ginecologia.A formação de especialistas deve envolver:
Pioneiros como o Dr. Marc Possover mostram que muitos dos sintomas da endometriose estão ligados à lesão de nervos pélvicos como o nervo hipogástrico, antes erroneamente chamado de “ligamento úterossacro”¹⁵.
Para todo ginecologista que, assim como eu, não se conforma com a infertilidade ou dor pélvica sem causa aparente, saibam: se há dor, há um nervo doente.Vale cada segundo de estudo, dedicação e aprimoramento. Nossas pacientes merecem.
Referências:
Todos os direitos reservados